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ACIDENTE DE TRAJETO - POLÊMICAS

O acidente de trajeto, ou, como também é conhecido, acidente de percurso, tem como objetivo a proteção ao trabalhador em ocorrências que possam surgir no trajeto entre sua residência e o local de trabalho, e vice e versa.
Essa modalidade de ocorrência deriva do acidente do trabalho típico, que é aquele sofrido pelo empregado durante a execução das tarefas objeto de seu contrato de trabalho.
O acidente de trajeto decorre dos efeitos fixados pela Lei nº 8.213/91, onde em seu artigo 21, IV, “d” dispõe que são equiparados aos acidentes de trabalho, aqueles ocorridos fora do local de trabalho, no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive em veículo de propriedade do segurado.
Uma vez previsto na legislação previdenciária brasileira, o acidente de trajeto passa a fazer parte dos fatos passíveis de benefícios concedidos pelo sistema previdenciário brasileiro, a cargo do INSS.
Independentemente da legislação previdenciária, os tribunais do trabalho passaram a estender ao acidente de trajeto, a indenização por responsabilidade civil prevista tanto na Constituição Federal, quanto no Código Civil Brasileiro atualmente vigente.
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que é direito dos trabalhadores o seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Do texto constitucional extraem-se alguns aspectos que devem ser destacados: a) indenização além da decorrente do seguro contra acidentes do trabalho; b) ocorrência de dolo ou culpa do empregador.
Quanto ao primeiro quesito, nenhuma dificuldade ou divergência de interpretação ocorre. Independente das consequências previdenciárias há a possibilidade de indenização por responsabilidade civil. Aqui se iniciam divergências e polêmicas que envolvem o tema, pois, em tese, haveria que serem analisados os detalhes do acidente para que seja apurada a culpa do empregador e, por consequência, sua obrigação de indenizar.
Para enfrentar esse tema é necessária uma breve análise, no ordenamento jurídico brasileiro, que norteia a obrigação de indenizar. Por primeiro, a existência de ato ilícito. Por segundo, a ocorrência da culpa (em seu sentido lato, envolvendo o dolo e a culpa sentido estrito).
A ilicitude do ato vem da interpretação do artigo 927 do Código Civil Brasileiro, o qual dispõe: “aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Nesse mesmo artigo, em seu parágrafo único, dispõe o código que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
E é a partir daqui que surgem as divergências em relação a essa obrigação indenizatória (na hipótese de acidente de trajeto). O que a lei se refere quando menciona independente de culpa, nada mais é do que o que se denomina, juridicamente, de responsabilidade objetiva. Nesta modalidade de responsabilidade não se discute nem se avalia se o autor do dano agiu com culpa (em qualquer das suas modalidades) ou não. Responde pelo dano causado. Outra forma de obrigação de indenizar decorre da existência efetiva da culpa, ou, responsabilidade subjetiva, onde o dever de indenizar somente ocorrerá quando for apurada a real culpa do autor. É o que dispõe, no caso do acidente de trajeto, a nossa Constituição Federal, conforme já mencionado acima.
Na análise mais cautelosa do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, extrai-se que a obrigação de indenizar também ocorre quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor (no caso o empregador) implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Migrando para os princípios e fundamentos do Direito do Trabalho, fundado nas interpretações e na analogia aplicada àquela ciência, a jurisprudência laboral tem determinado a aplicação da chamada responsabilidade objetiva “adaptada” para condenar os empregadores a indenizar seus empregados que sofrem acidente no trajeto de casa para o trabalho, independentemente de terem concorrido com culpa.
É sabido que toda interpretação de texto de lei, quando aplicado ao Direito do Trabalho, bem como houver a existência de duas normas aplicáveis ao mesmo fato, deve ser sempre convergentes ao que beneficia o trabalhador. São os princípios da norma mais benéfica e da interpretação mais favorável.
Pois bem, quando enfrentado esse tema invariavelmente deve-se contrapor o binômio autoridade-responsabilidade. Para que haja a ilicitude prevista no artigo 927 do Código Civil (para depois aplicar-se seu único parágrafo) é necessário que o empregador tenha concorrido de alguma forma com a ocorrência do fato. Quer por comissão, quer por omissão. São as formas que teria de prática de ato ilícito. Mesmo que se considerasse a responsabilidade objetiva, o empregador, para tanto, teria que concomitantemente zelar para que o transporte do empregado seja feito com a segurança necessária para que elida a ocorrência de acidente.
Ora, na prática, isso significa que o empregador teria uma obrigação de zelo, responsabilidade, cautela e outros que invariavelmente acarretariam no controle de comportamento e conduta de terceiros, que não estão, ou podem não estar sob o domínio do empregador.
Assim, se há meio de transporte por exemplo, contratado ou diretamente fornecido pelo empregador, admite-se a responsabilidade, até pela culpa de vigiar ou contratar o serviço de terceiro, para uso e gozo de seus empregados.
Contudo, quando a locomoção é feita pelo sistema público de transporte, ou pela própria iniciativa do empregado fica simplesmente impossível atribuir-se a responsabilidade sem a concessão da autoridade necessária para o controle e fiscalização de conduta.
É exatamente neste momento que a aplicação – ainda que analógica ou subsidiária – da teoria da responsabilidade objetiva não pode ocorrer ao tema. O fundamento desta modalidade repousa na obrigação de manter controle ou fiscalização. É o caso, por exemplo, da administração pública quando da manutenção das vias públicas.
Quando se estende essa modalidade de responsabilidade ao acidente de trajeto, pressupõe-se que o empregador deva controlar ou fiscalizar atos que não estão – e não poderiam estar – sob seu domínio (comportamento do próprio empregado ou de terceiros não contratados pelo empregador).
Daí a inadequação da responsabilidade do empregador, exceto, evidentemente, quando o acidente ocorre em consequência de ato de preposto do empregador (transporte de empregados por meios próprios ou terceiros contratados).
A estender-se a responsabilidade ao empregador pelo critério ora discutido, é responsabiliza-lo por negligência, imprudência do empregado na condução de seu meio próprio de transporte, ou ainda, pela prática de ato nas mesmas circunstâncias por terceiros completamente estranhos à relação contratual laboral.
Assim, por mais que se procure adequar aos princípios fundamentais que regem o Direito do Trabalho, não se pode e não se deve atropelar a norma constitucional que exige para responsabilização do empregador a constatação do dolo ou da culpa. Aliás, é toda a estrutura da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. Há que existir o nexo causal; há que o empregador ter concorrido de alguma forma com a existência do fato.
Sem o que inexiste a responsabilidade, e a forma existente para compensar o trabalhador pelo infortúnio é exatamente o seguro pago pelo empregador para essa modalidade de acidente, a cargo da previdência social.

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