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10 CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DE NEXO CAUSAL ENTRE DOENÇA E TRABALHO


A proposta de se estabelecer critérios específicos para análise de nexo causal em doenças ocupacionais baseia-se na constatação de laudos, que mesmo bem executados, deixam de considerar aspectos importantes e muitas vezes essenciais para a resolução do litígio. Ao seguir critérios, existe também uma relativa padronização técnica exigindo que peritos se aprofundem no conhecimento técnico antes de emitirem seu parecer. Hélio Gomes afirmava que “não basta um médico ser simplesmente um médico para que se julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para que faça intervenções cirúrgicas. São necessários estudos mais acurados, treino adequado, aquisição paulatina da técnica e da disciplina. Nenhum médico, embora eminente, está apto a ser perito pelo simples fato de ser médico. É-lhe indispensável educação médico-legal, conhecimento da legislação que rege a matéria, noção clara da maneira como deverá responder aos quesitos, prática na redação dos laudos periciais. Sem esses conhecimentos puramente médico-legais, toda a sua sabedoria será improfícua e perigosa ¨.
Para o estabelecimento de nexo causal varias escolas internacionais criaram critérios que devem ser seguidos a fim de tornar a conclusão evidentemente correta. O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) no intuito de regulamentar estas conclusões também lançou mão da Resolução 1488/98 onde preconiza o estudo do local de trabalho e da sua organização do trabalho, assim como os dados epidemiológicos e a literatura atualizada, entre outros fatores. A Resolução INSS/DC/no 010, de 23 de Dezembro de 1999 recomenda incluir alguns procedimentos no raciocínio médico-pericial. Da união destes e demais estudos, propomos que em pericia médica existam alguns critérios que devem ser seguidos e respondidos para estabelecimento do nexo causal em doenças ocupacionais.
01) Critério legal
02) Critério técnico-científico
03) Critério de intensidade e tempo de exposição
04) Critério de tempo de latência
05) Critério de condições pregressas
06) Critério de incapacidade laboral
07) Critério de afastamento do risco
08) Critério de coerência clinica
09) Critério temporal
10) Critério de exclusão de outras causas

01) Critério legal

A lei 8213/91 em seu artigo 20 que define doenças profissionais e doenças do trabalho, informa que estas deverão estar descritas na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O Decreto no 3.048/99, modificado pelo decreto 6957/2009 em seu anexo II lista B, traz uma relação dos agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho. A Resolução INSS/DC/no 010, de 23 de Dezembro de 1999, por sua vez aprovou e definiu os Protocolos de Procedimentos Médicos-Periciais, (publicado no Diário Oficial da União em 20 de Abril de 2000) relativo aos fundamentos legais previstos na lei.
Portanto, para ser considerada doença ocupacional, a patologia deve estarincluída na relação do Ministério do Trabalho como provável doença ocupacional. Contemplado o critério legal, existe alta possibilidade de ser uma doença profissional ou do trabalho, devendo então ser contemplado também os outros critérios descritos. Não nos cabe aqui descrever cada uma das doenças, por ser uma lista muito extensa, mas a mesma é fácil de ser encontrada nos endereços eletrônicos das leis acima descritas.
A ausência da sua descrição na relação, também não exclui a possibilidade de ser uma patologia originada no trabalho, pois no mesmo artigo em seu § 2º, informa que em casos excepcionais(grifo nosso), não estando incluída na relação, mas devidamente comprovada que resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, poderá ser considerada como acidente de trabalho. Alertamos, no entanto que é bem menos provável tal possibilidade, e para o estabelecimento do nexo neste caso, os demais critérios (em especial o critério técnico científico, o critério de intensidade e tempo de exposição e o critério de tempo de latência) devem ser suficientemente fortes para garantir a relação causal.

02) Critério técnico-científico

Este é um dos denominados critérios necessários para estabelecimento do nexo causal. Durante a análise deverá ser efetivamente demonstrada a existência de estudos perfeitamente abalizados pela comunidade científica da possibilidade da patologia ser de origem ocupacional, demonstrando as relações de causa e efeito, bem como, se possível, dados epidemiológicos entre a patologia e a atividade específica executada. A resolução CFM 1488/98 deixa claro que o estudo do nexo causal deve contemplar o estudo dos dados epidemiológicos e da literatura atualizada.
No caso de doenças osteo-musculares deve o perito explicar quais os tipos de movimentos ou posturas que efetivamente podem causar a doença. No caso de transtornos mentais, quais os riscos ocupacionais descritos na literatura que podem efetivamente levar ao aparecimento dos mesmos. No caso de intoxicações, qual o mecanismo de patogenia da substância dentro do organismo humano e as suas possíveis lesões, e assim por diante.
O perito deve então descrever qual a literatura técnica em que se baseou. Em tempos de internet, cuidado especial deve ser tomado com publicações apócrifas e não confiáveis. A literatura a ser buscada deve ser de caráter oficial, como por exemplo os próprios protocolos de procedimentos médicos periciais (Resolução INSS/DC/no 010), a Instrução Normativa 98/2003 (atualização clinica das LER/DORT) livros de renome e reconhecidos na comunidade médica, Projeto Diretrizes do Conselho Federal de Medicina, portais específicos das sociedades das diversas especialidades brasileiras (por exemplo, Revista Brasileira de Ortopedia publicada pela SBOT, publicação da Sociedade Brasileira de Reumatologia, entre outras). Publicações importantes são também as das Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), ou outras entidades internacionais como a OSHA (Occupational Safety & Health Administrationdo U. S. Department of Labor), NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health) entre outros.

03) Critério de intensidade e tempo de exposição

Este critério propositadamente traz interligados a intensidade e o tempo de exposição. O perito deve obrigatoriamente na sua análise afirmar que a intensidade de exposição ao risco pode efetivamente causar a doença. Sabe-se que o organismo suporta determinados níveis de exposição de acordo com tempo a que está sendo submetido ao risco. Para Celso, famoso químico da idade média cunhou a célebre frase ¨tudo é veneno, nada é veneno, depende da dose¨. Brilhantemente o Engenheiro André Lopes Neto aperfeiçoou a frase onde "Tudo é veneno, nada é veneno. Depende da dose e do tempo de exposição"[1]
Dr Hudson de Araújo Couto ensina que ¨o ser humano tem capacidade de fazer movimentos com as suas juntas, e não é pelo simples fato de se encontrar alguma flexão do braço acima do nível dos ombros ou abdução dos ombros ou mesmo flexão, extensão ou desvio ulnar do punho no ciclo é que será caracterizado o risco. O risco será caracterizado pela frequência desse tipo de ação (repetitividade) ou pela manutenção da mesma (esforço estático)[2]¨ Da mesma forma nos ensina que trabalho repetitivo necessariamente não é causador de LER/DORT relatando ¨através do estudo em campo, pudemos demonstrar claramente que há atividades repetitivas não ocasionadoras de LER/DORT (ver Couto, 2000). Caso o trabalho esteja bem organizado, com os tempos adequados, com os devidos tempos de recuperação de fadiga, não haverá lesões. Assim, deve-se reconsiderar o conceito tradicional de ser a atividade repetitiva necessariamente causadora de LER/DORT. Também não se pode negar ser a repetitividade o principal fator biomecânico na origem dos distúrbios e lesões em membros superiores. Assim, o conceito acima seria melhor colocado da seguinte forma: "trabalho de alta repetitividade, sem os devidos tempos de recuperação das estruturas orgânicas, sem os devidos tempos de recuperação de fadiga, poderá se constituir num fator de risco para as lesões e transtornos em membros superiores."[3]
O perito deverá então não somente identificar a presença do risco, mas baseado nos dados da literatura técnica, se a forma e a magnitude da exposição podem levar ao aparecimento do dano e ainda se o tempo diário a esta exposição é passível de causar a doença. Por exemplo, uma pessoa pode ficar 4 horas exposta a um ruído de 82 decibéis que não haverá perda auditiva. No entanto se ficar exposto 8 horas a um ruído de 90 decibéis sem proteção é provável que com o decorrer do tempo inicie uma queda no seu exame de audiometria. Da mesma maneira pode ficar exposto a algum produto químico ou à vibração, mas se for abaixo do nível de ação (50% da dose) não irá causar uma patologia. Isto é uma verdade também em casos de LER/DORT. Para o nível de conhecimento atual, estudos de ergonomia e biomecânica ocupacional definem, os parâmetros para se identificar efetivamente presença de movimentos repetitivos, postura inadequada entre outros. Tais riscos devem estar claramente descritos no laudo.

4) Critério de tempo de latência

Tempo de latência é entendido como tempo ocorrido entre o início da exposição ao risco e o aparecimento das queixas e da comprovação diagnóstica. Devido a variabilidade biológica entre as pessoas ainda não existem estudos específicos de tempo de inicio de uma patologia, mas este critério deve depender do bom senso do avaliador. No caso de doenças osteomusculares a IN 98/2003 relata que as LER/DORT são caracterizadas por terem um inicio insidioso com predominância nos finais de jornada de trabalho ou durante os picos de produção, ocorrendo alívio com o repouso noturno e nos finais de semana e somente aos poucos vão apresentando piora. Deverá o expert, analisando o início da exposição ao risco, intervalo de tempo até o aparecimento dos sintomas e a avaliação dos resultados de exames complementares, definir se existe plausibilidade técnica do tempo de latência com as alterações encontradas. Da mesma maneira, para outros tipos de doença, deve haver um período de latência mínimo entre o inicio da exposição e o diagnóstico da doença. Especial análise enquadra-se nos casos de doenças infecciosas onde o período de incubação deve ser perfeitamente analisado para o estabelecimento do nexo.

05) Critério de condições pregressas

Consiste na análise de todas as atividades laborais realizadas antes do ingresso na empresa e do inicio da doença, bem como análise das condições físicas anteriores.
O simples fato de ter feito um exame médico admissional e considerado apto não significa necessariamente ausência de doença. Sabe-se que muitos funcionários, devido a necessidade básica de conseguir o emprego para sustento de sua família, negam suas verdadeiras condições de saúde. Além disso, muitos exames médicos admissionais ficam aquém do que seria necessário, deixando de fazer efetivamente um exame clinico adequado.
O perito deve então analisar se os trabalhos anteriores têm influência nas queixas da patologia supostamente adquirida da empresa. Obviamente, pelos mesmos fundamentos do tempo de latência, não é pelo simples fato de ter trabalhado anteriormente em uma atividade de risco, que esta tenha alguma influência nas queixas atuais. Deve-se indagar se o tempo existente entre o trabalho anterior e o inicio das queixas na empresa atual influencia de algum modo na gênese da patologia
Exemplo comum desta situação é o caso dos trabalhadores no corte de cana. Iniciam sua atividade muito cedo, em média com 15 anos, e trabalham com contratos de safra para empresas diversas. Após longo período na atividade, mas no início de uma safra, acaba tendo um diagnóstico de uma tendinite do supra-espinhoso com presença de microcalcificações. Está claro que a doença, apesar de diagnosticada no último contrato, foi na verdade adquirida ao longo de anos na atividade do corte de cana de açúcar. Não se pode nem sequer penalizar a empresa em que está trabalhando com uma concausa, pois a teoria da causalidade adequada deixa claro e inequívoco que a doença é pretérita devido ao encontro no exame ultrassonográfico de microcalcificações tendíneas. Apesar de ser considerado apto no exame admissional, neste caso, não significa necessariamente ausência de doença naquela oportunidade e sim ausência de diagnóstico.
Deve-se também analisar se o periciando já não apresentava queixas anteriores. Isto somente é possível com a solicitação de prontuários médicos, em especial de postos de saúde, médicos particulares e pronto socorro. É muito comum encontrar-se em prontuários médicos histórico de queixas muito anteriores àquelas informadas em perícia.
A análise das condições pregressas é um critério que pode excluir um nexo causal ou então ser um fator que reforça a conclusão pericial de nexo da patologia com o trabalho atual.

06) Critério de incapacidade laboral

A lei 8213 da Previdência Social no artigo 20§ 1º relata que não são consideradas como doença do trabalho aquelas que não produzam incapacidade laborativa.
O termo incapacidade laborativa é muito genérico e deve ser avaliado com cuidado, analisando a presença deste critério tanto no período contratual como no pós-contratual.
a) no período contratual
Considera-se comprovação de incapacidade o funcionário que afastou-se por um período maior que 15 dias consecutivos e portanto passando a ter direito a afastamento previdenciário. Tendo afastado-se por mais de 15 dias, mesmo que não tenha sido encaminhado para o INSS (empresas por vezes usam deste subterfúgio pagando o funcionário mesmo sem trabalhar para não configurar estabilidade acidentária), deve ser considerado também como comprovação da incapacidade laboral no período contratual.
No caso de retorno ao trabalho após determinado período de afastamento previdenciário, caracteriza-se comprovação de incapacidade laboral total temporária. Caso não tenha mais condições de retorno ao trabalho, será caracterizada incapacidade laboral total definitiva.
Outro fato que deve ser considerado como constatação de comprovação de incapacidade laboral é a mudança de função para afastamento do risco. A mudança de função comprova a presença de incapacidade, desta feita denominada de incapacidade laboral parcial (pois determinou uma redução da capacidade pela doença) podendo ser temporária ou definitiva.
Considera-se como não comprovação da incapacidade laboral no período contratual a ausência de afastamento laboral por mais de quinze dias, exame pericial realizado na previdência indicando ausência de constatação de incapacidade laborativa e atestados médicos ocupacionais indicando presença de capacidade laboral desde que este último esteja em consonância com os demais documentos dos autos.
a) no período pós-contratual
Considera-se comprovação de incapacidade o afastamento previdenciário ocorrido após o contrato de trabalho, desde que o tempo ocorrido entre a demissão e o afastamento tenha nexo temporal com as atividades laborais. Freqüentemente trabalhadores recebem o fundo de garantia e se afastam no seguro desemprego por 4 a 5 meses. Somente então procuram um médico e demoram mais uns dois meses para fazer exames e se afastar no INSS. O tempo então se torna excessivamente longo para se comprovar que a incapacidade foi gerada pela doença na época contratual, pois poderia ter sido adquirida por qualquer outra atividade realizada após a demissão (inclusive doméstica)

07) Critério de afastamento do risco

As patologias exclusivamente relacionadas ao trabalho, quando afastadas do risco laboral que a determinaram, devem no mínimo permanecer estacionadas na sua evolução. No entanto, é certo que a imensa maioria deve melhorar ou curar-se. A Cartilha[4] do Ministério da Saúde informa que tendinites são curáveis quando bem tratadas no inicio do processo, com afastamento do agente lesante, repouso e fisioterapia adequados. Sabe-se que uma propriedade intrínseca de tecidos vivos é a sua capacidade de regeneração e devido a esse comportamento natural, as lesões, quando bem tratadas, tendem a evoluir satisfatoriamente para a cura.
Como bem argumenta o Professor Milton Helfenstein Mestre e Doutor em Reumatologia pela Escola Paulista de Medicina, com Tese de Doutorado sobre Lesões por Esforços Repetitivos/ Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho “Afirmar que uma mera tendinite não tem cura só pode ser uma tentativa de desmoralizar a classe médica.” Neste mesmo esteio Dr. Arlindo Pardini Júnior, em seu livro “Traumatismos da Mão” (Medsi, 3ª edição, 2000), relata que “Desde há muito tempo sabe-se que os tecidos do corpo humano, quando submetidos a atritos, estiramentos ou pressões indevidas, isto é, a estímulos físicos que excedam a sua capacidade de adaptação, se inflamam, provocando dores e sintomas característicos e localizados repetidos. Até o osso pode sofrer fraturas se for submetido a determinados esforços repetidos. Assim como as fraturas dos ossos se consolidam com tratamento apropriado, também as lesões dos tecidos moles se curam e o processo inflamatório é reversível.” “Sempre que um tecido exceder o limite de sua resistência, ocorrerá uma lesão com reação inflamatória e conseqüentemente dor, que varia com a intensidade da lesão e com o limiar de dor do indivíduo. Este tipo de lesão é muito freqüente nas atividades das pessoas. É muito raro haver uma pessoa que nunca tenha tido uma dor muscular ou periarticular por esforço físico; no entanto, pouco se lembra dela, pois em geral os tecidos se recompõem após alguns dias e a inflamação e os sintomas desaparecem.” Conceito médico antigo diz que ¨Sublata causa, tollitur effetcus¨, ou seja, retirada a causa cessa o efeito.
No critério de afastamento do risco portanto, as lesões não podem piorar e se tal fato acontecer resta claro a inexistência de influência da atividade laboral com a patologia. No mínimo pode-se apenas considerar como plausível que as mesmas fiquem estacionadas, mas é sabido que a grande maioria deverá evoluir para melhora ou para a cura.

08) Critério temporal

Ao se falar em nexo causal de uma doença com determinado agente agressor é evidente que os sinais, sintomas e diagnóstico da doença devem guardar uma relação temporal com o risco. Chamado pela escola italiana de critério de continuidade fenomenológica, deixa claro que o aparecimento das manifestações somato-psíquico-funcionais devem que guardar uma relação imediata com a exposição ao agente agressor.
No critério temporal (nexo temporal) deve o perito analisar a existência de provas suficientes do aparecimento e diagnóstico da doença durante o período contratual ou durante efetivamente o período de atividade exposta ao risco ocupacional. Diagnósticos realizados algum tempo após o encerramento do contrato de trabalho não guardarão nexo temporal, pois muitas vezes o tempo de afastamento do risco será suficiente para curar uma lesão possivelmente adquirida no trabalho ou então de aparecer uma lesão por exposição a fatores extra-contratuais. Este fato é uma verdade especialmente para patologias osteomusculares e patologias mentais, as mais comuns que aparecem no âmbito da justiça do trabalho. Exceção se faz no critério temporal nos casos de exposição a alguns agentes químicos que poderão apresentar a doença mesmo após alguns anos de cessada a atividade ou a alguns agentes biológicos com período de incubação longo. Período de incubação é entendido como tempo decorrido entre a exposição ao agente infeccioso e o início de aparecimento dos sinais e sintomas da doença. Uma hepatite B, por exemplo, após o contágio pode demorar de 30 até 180 dias (em média 90 dias) para iniciar os sinais e sintomas. Nestes casos o critério técnico-científico deverá esclarecer esta possibilidade de aparecimento tardio de sinais de doenças ocasionadas por exposição a agentes químicos ou biológicos.

09) Critério de coerência clínica

Coerência é definida como harmonia entre fatos ou coisas. Em saúde do trabalhador e perícias judiciais é necessário se avaliar uma série de questões. Especial atenção se deve na interpretação médica dos sintomas relatados e sua coerência com o diagnóstico da doença, assim como o local anatômico da queixa tem que estar coerente com o resultado do exame complementar. Outro fato é que a evolução relatada da doença tem que ser coerente com o comportamento clinico observado na descrição da literatura médica para o homem médio, bem como os tratamentos efetuados tem que estar em harmonia com os resultados dos exames e das queixas clinicas. Infelizmente, não raro é encontrado em pericias judiciais pacientes relatando estar totalmente incapacitados, municiados de atestados médicos graciosos confirmando possível incapacidade, porém sem coerência entre a situação informada e o tratamento efetuado no qual utilizam doses sub-terapêuticas de medicamentos (em especial para transtornos mentais), realizam pouquíssimas sessões fisioterápicas ou não indicam tratamentos cirúrgicos que sabidamente na literatura seriam curativos, entre outras incoerências.

10) Critério de exclusão de outras causas

Muitas das doenças discutidas como ocupacionais são multicausais, ou seja, podem apresentar várias causas. Isto não quer dizer que todas as causas estão agindo na gênese da patologia discutida, pois o mais comum é que apenas uma delas seja o fator efetivamente determinante. No entanto, identificada a presença de duas ou mais possibilidades de fatores etiológicos para a lesão, estas devem ser analisadas com relação a sua hierarquia naquele caso em concreto. O perito deve ter muito senso crítico nesta questão para não penalisar tanto trabalhador como a empresa, ou então banalisar as questões relativas à concausalidade. Deverá aplicar com sapiência e coerência classificando as causas mediante uma das três possibilidades, a saber: causa adequada, presença de equivalência de causas ou concausas (agravamento).
a) Causa adequada:
Inicialmente idealizadas por Von Kries e Von Bar afirmam que a causa é o antecedente não apenas imprescindível, mas também o mais adequado para a produção do resultado. Analisando e identificando todas as possíveis causas da doença, estas devem ser colocadas em um nível de hierarquia. Os próprios protocolos medico-periciais da Resolução INSS/DC/no 10 já trazem esta orientação, o que tem sido omitido em muitos laudos. Naqueles protocolos é bem claro que se recomenda incluir no raciocínio médico-pericial, nos casos de doenças relacionadas com o trabalho, do tipo II, a análise de causas extra-laborais e se estas foram devidamente excluídas ou colocadas em hierarquia inferior às causas de natureza ocupacional. Isto nada mais é do que análise da causa adequada
Quando uma causa demonstra ser a grande responsável pela doença, superior às outras, então deve-se utilizar a causalidade adequada. Exemplo de causa adequada pode ser um fumante há 40 anos e soldador há 5 anos e que adquire enfisema pulmonar. Fica claro que a causa adequada da doença é o tabagismo. Não há que se falar em concausa (agravamento), pois mesmo que o funcionário não trabalhasse com solda, resta claro que teria a doença. Um paciente diabético terá síndrome do túnel do carpo ou tendinites independente da atividade laboral.
b) Causas concorrentes:
Também chamadas de equivalência das condições, em uma ação judicial pode-se encontrar a presença de duas ou mais condições que juntamente contribuíram para a doença, concluindo a existência de equilíbrio valorativo no desenvolvimento da doença. Pode ocorrer no caso de uma funcionária que engravida mas trabalha com movimentos repetitivos de punho e posição forçada do mesmo em desvio ulnar. No terceiro trimestre da gestação desenvolve uma Síndrome de De Quervain. Afastada do trabalho e após o nascimento do filho a patologia regride. Resta claro que a gravidez e exposição ao risco atuaram de maneira concorrente e equivalente na etiologia da doença;
c) Concausa (agravamento):
Seriam pacientes que apresentam patologias prévias ou patologias que aconteceram por causa não ocupacional mas que efetivamente foram agravadas pelo trabalho.
Cavalieri Filho relata que “concausa é outra causa que juntando-se a principal, concorre com o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal qual um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal.” A concausa para ser caracterizada deve ser capaz de alterar a evolução natural da doença.
Entendo que concausa (agravamento) não pode ser equiparada a teoria das causas concorrentes. A própria explicação de Cavalieri me traz a informação de que provavelmente já exista uma patologia prévia não ocupacional, mas o trabalho, ¨tal qual um rio menor¨, agravou a doença. Como exemplo cito uma pessoa que tem uma hérnia de disco degenerativa, porém pouco ou assintomática e quando exposto a trabalho com movimentos de coluna em posição assimétrica e emprego de força muscular apresenta herniação extrusa sintomática com ciatalgia. Apesar da pessoa ter previamente a hérnia, a concausa reforçou e alterou efetivamente a evolução natural da doença, antecipando uma compressão medular.
Recente artigo publicado pelo Dr Dejair Jorge Camargo Pereira, na Revista Proteção de Dezembro de 2009 fala que ¨É generalizado o uso das expressões "concausa" e "agravadora" pelos peritos para qualificar a atuação de determinada tarefa laboral que por si só não teria potencialidade para desencadear um quadro mórbido inegavelmente congênito ou sem nenhuma relação com o trabalho. Nesse expediente escapista há uma intenção mal dissimulada de não enfrentamento da demonstração técnica em concreto da relação de causalidade. Na prática, esse escapismo geralmente passa despercebido ao magistrado, que então incorpora à sentença uma conclusão pericial marcada pela subjetividade e que não anula a controvérsia técnica. E termina ¨Se lhes faltam suficiente conhecimento da Teoria da Causalidade Adequada, não é admissível que adentrem irresponsavelmente nos meandros do mundo jurídico lançando mão da "concausa", de maneira genérica, como escapismo para uma elucidação técnica ou científica que não estão aptos a apresentar ou a que se furtam por mero comodismo¨.
Da mesma maneira que a causa, para se caracterizar concausa deve ser identificado:
- Presença de fatores ocupacionais que efetivamente pudessem agravar a patologia informa da na inicial do processo. Enquadra-se neste caso a presença efetiva de fatores biomecânicos (movimentos repetitivos, postura inadequada, etc), presença clara de fatores ocupacionais estressantes para os casos de doenças mentais, presença clara de exposição a agentes alérgenos para o casos de doenças respiratórias alérgicas (asma, rinites) ou dermatites atópicas, entre outros
- Após comprovada a presença dos fatores relatados anteriormente deve-se comprovar que realmente ocorreu piora ou agravamento da doença pela exposição a estes, ou seja, deve comprovar que o paciente estaria melhor caso não ficasse exposto na atividade ocupacional.
Resumo e interpretação dos critérios de Penteado
Critérios de necessidade: Entende-se por critérios de necessidade os que obrigatoriamente têm que ser contemplados, pois se não o forem, a patologia não será exclusivamente de origem ocupacional
  • Critério técnico-científico
  • Critério de intensidade e tempo de exposição
  • Critério de tempo de latência
  • Critério de incapacidade laboral
  • Critério de afastamento do risco
  • Critério temporal
Critérios de reforço: Critérios que reforçam o nexo, mesmo se não contemplados, não afastam o nexo caso os critério de necessidade estejam presentes. No entanto, se positivos, reforçam o nexo causal.
  • Critério legal
  • Critério de condições pregressas
  • Critério de coerência clinica
  • Critério de exclusão de outras causas
Entende-se por critérios de necessidade os que obrigatoriamente têm que ser contemplados, pois se não o forem, a patologia não será exclusivamente de origem ocupacional
Questionamentos que devem ser respondidas no laudo pericial para contemplar os 10 critérios propostos por Penteado
1) Encontra-se a doença elencada no Decreto no 3.048/99, modificado pelo decreto 6957/2009, em seu anexo II, lista B ou então na Resolução INSS/DC/no 010, de 23 de Dezembro de 1999, por sua vez aprovou e definiu os Protocolos de Procedimentos Médicos-Periciais, publicada no Diário Oficial da União em 20 de Abril de 2000 relativo aos fundamentos legais previstos na lei? (Critério legal)
2) De posse do diagnóstico, quais as possíveis causas gerais da doença descritas na literatura médica, citando a fonte bibliográfica?(Critério técnico-científico)
3) Se existirem causas de origem ocupacional, qual o mecanismo fisiopatológico do aparecimento, descrito destes estudos? Como é dada a relação de causa e efeito?(Critério técnico-científico)
4) Existem dados epidemiológicos descrito na literatura sobre a existência especifica de relação entre a doença e a atividade laboral?(Critério técnico-científico)
5) O agente causador da doença está identificado claramente nas atividades laborais?(Critério de intensidade e tempo de exposição)
6) A intensidade, ou seja, a forma e a magnitude com que ocorre a exposição na atividade laboral é passível de trazer dano à saúde?(Critério de intensidade e tempo de exposição)
7) O tempo de exposição diário ao risco informado é capaz de causar a doença? (Critério de intensidade e tempo de exposição)
8) O tempo compreendido entre o inicio da exposição ao risco e o inicio dos sintomas é suficiente para que a doença apareça e se desenvolva? (Critério de tempo de latência)
9) Alguma das atividades laborais realizadas anteriormente ao aparecimento da doença podem estar influenciando na gênese da doença? (Critério de condições pregressas)
10) Conforme registros médicos do estado anterior do paciente, existiam queixas pregressas à exposição ao risco? Em caso positivo já demonstravam a possibilidade da doença ser anterior à exposição? (Critério de condições pregressas)
11) O conhecimento das condições pregressas favorecem ou afastam o nexo causal?
12) Foi comprovado a presença de algum tipo de incapacidade laborativa, total ou parcial, temporária ou definitiva, que tenha relação com o período contratual? (Critério de incapacidade)
13) No caso de constatação de incapacidade laborativa a mesma se deu no período contratual? (Critério de incapacidade)
14) No caso de comprovação de incapacidade laborativa somente após o encerramento da exposição ao risco, o período entre o afastamento do risco e a incapacidade é suficientemente curto para não haver influência de atividades extra-laborais? (Critério de incapacidade)
15) Após o afastamento do risco, houve cura, melhora, ou no mínimo, estacionamento nas queixas clinicas?(Critério de afastamento do risco)
16) O aparecimento das queixas clinicas guardam relação temporal direta/imediata com a exposição ao risco? Existe comprovação documental em prontuário médico?(Critério temporal)
17) O diagnóstico da patologia com exames complementares guardam relação temporal direta/imediata com a exposição ao risco? (Critério temporal)
18) Existe coerência entre a queixa clinica e o diagnóstico médico?(Critério de coerência clinica)
19) Existe coerência entre a queixa clinica e os resultados de exames complementares? (Critério de coerência clinica)
20) Existe congruência entre o diagnóstico médico e os tratamentos preconizados na literatura científica? (Critério de coerência clinica)
21) Foram efetivamente tentados pelos médicos os tratamentos curativos apregoados na literatura científica? (Critério de coerência clinica)
22) Após o diagnóstico e inicio de tratamento, a doença apresenta a evolução prevista descrita em literatura médica? (Critério de coerência clinica)
23) No caso da doença não ter se curado após o inicio da terapêutica efetiva e do afastamento do risco, existe uma explicação plausível e razoável que justifique a não resposta ao tratamento? (Critério de coerência clinica)
24) Foram efetivamente excluídas outras etiologias descritas na literatura como causadoras da doença? (Critério de exclusão de outras causas)
25) No caso de constatação da presença de mais de uma causa da doença, foram colocadas em nível de hierarquia? (Critério de exclusão de outras causas)
26) Na coexistência de uma causa não ocupacional, foi avaliado se o peso desta em hierarquia é o fator determinante da doença, ou seja, existe a possibilidade da pessoa ter ficado doente mesmo que não houvesse a exposição ao risco, identificando-se então a presença de que a causalidade adequada é a extra-laboral? (Critério de exclusão de outras causas)
27) Na coexistência de uma causa não ocupacional, os fatores laborais e extra-laborais apresentam o mesmo peso etiológico, determinando concorrência de causas? (Critério de exclusão de outras causas)
28) No caso de constatação de concausas (agravamento), foi identificado efetivamente a presença de fatores ocupacionais capazes de tornar a patologia em pior estado? (Critério de exclusão de outras causas)
29) No caso de constatação de concausas (agravamento), existe a certeza ou comprovação clinica de que o paciente estaria melhor caso não ficasse exposto na atividade ocupacional? (Critério de exclusão de outras causas)
Fonte : Jose Marcelo Penteado

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Muitos Médicos do Trabalho defendem a idéia de que no ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) devam constar apenas os dizeres: “apto” ou “inapto”. Eles justificam essa defesa no texto da própria Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7). Temos fortes reservas quanto a isso. Vejamos o que, de fato, diz a NR-7 em seu item 7.4.4.3, alínea “e”: “O ASO deverá conter no mínimo: definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.” O termo “no mínimo” deixa margem à possibilidade de ampliação do conteúdo do ASO. O que a NR-7 estabelece é apenas o conteúdo mínimo. Temos em nossa legislação trabalhista exemplos similares. O art. 58 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) assim coloca: “A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.” Interpretando: nesse caso, a CLT demarcou o limite máximo da duração de trabalho em

ACIDENTALIDADE POR CNPJ

Para realizar a consulta informe o CNPJ (apenas números) e o Código de Segurança e clique no botão "Pesquisar”. No campo "CNPJ" você poderá informar o CNPJ completo ou apenas os 8 primeiros números (Raiz do CNPJ), caso informe os 8 primeiros números o sistema retornará a lista de empresas, clique no CNPJ da empresa que desejar para acessar as informações de Acidentalidade. http://www.previdencia.gov.br/a-previdencia/saude-e-seguranca-do-trabalhador/acidentalidade-por-cnpj/

DEFICIT FUNCIONAL X INCAPACIDADE LABORAL

Um dos grandes dilemas da indenização por doenças ocupacionais e acidentes de trabalho tem sido a graduação do dano. A emenda constitucional  45  de 8 de Dezembro de 2004 em seu artigo 114 definiu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. Como parte desta avaliação, conforme artigo 950 do Novo CPC, se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido  não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se   lhe diminua a capacidade de trabalho , a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Criou-se então um grande problema: Como valorar o dano? Seria necessário uma pericia médica para estabelecimento de nexo causal e posteriormente que o médico perito informasse qual a porcentagem de redução da capacidade laborativ