O prontuário médico é a união de todos os documentos, ordenados, onde
ficam registradas todas as informações relativas aos procedimentos, exames,
condições físicas e demais informações do paciente.
Vale frisar que, conforme disposto no artigo 1º da
resolução n.º 1.638/2002, do Conselho Federal de Medicina, o prontuário médico
é definido como o documento único constituído de um conjunto de informações,
sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e
situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter
legal, sigiloso e científico, que possibilita a
comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da
assistência prestada ao indivíduo.
A guarda de tão importante documento é responsabilidade do médico em seu
consultório, ou pelos diretores de clínicas ou hospitais nos respectivos
estabelecimentos de saúde.
As informações fornecidas ao médico e mantidas em prontuário se revestem
de sigilo e pertencem única e exclusivamente ao paciente, todavia, não
raramente, vemos magistrados cometendo o gravíssimo equívoco de determinar ao
médico ou ao nosocômio o fornecimento de cópia dos documentos do prontuário
médico sem a análise do cabimento e da real necessidade de tal determinação.
Exige-se a autorização do paciente, por conta de seu direito à
intimidade, que tem plena aplicação ao se falar em prontuário médico. A esfera
íntima do paciente é resguardada inclusive de seus familiares, mormente em
casos cujas informações o mesmo não deseja que se tornem públicas a ninguém.
O direito fundamental à intimidade está prevista na Constituição Federal, em seu art. 5.º,
inciso X, senão vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;”
Portanto, a ordem judicial não é
suficiente para a liberação do prontuário médico, é
necessária a obtenção de autorização do paciente.
E tem mais, o Código de Ética Médica, normatizado através da Resolução
do Conselho Federal de Medicina nº 1.931 de 17 de setembro de 2009,
especificamente em seu artigo 89, dispõe que:
“É vedado ao médico:
(...)
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua
guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para
atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
§ 1º Quando requisitado judicialmente o prontuário
será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.
§ 2º Quando o prontuário for apresentado em sua
própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo
profissional.”
Trata-se o direito à intimidade de conceito basilar
do Direito e, em sendo assim, é absolutamente certo que uma ordem
judicial, desacompanhada da autorização do paciente, não
deve ser atendida.
Nesse sentido, transcreve-se ordem judicial emanada pela Dra. Ana Maria
das Graças Veloso, da 7.ª Vara do Trabalho de Curitiba-PR:
"(...) Determino a expedição de ofício
ao Posto de saúde UMS Salvador Alende do bairro Sítio Cercado, na Rua
Celeste Tortato Gabardo, telefone 3289-4828 e para o Hospital de
Clínicas na Rua General Carneiro, nº 181, Alto da Glória, Médico
Antônio Baldin Junior, setor de proctologia geral, para que encaminhe a este
Juízo os prontuários de atendimento do reclamante no período anterior a abril
de 2008 até o momento, com a concordância do mesmo."
Além da proteção à intimidade do paciente suscitada até o presente
momento, deve-se ainda ressaltar a questão do sigilo profissional do médico,
que deve ser respeitado nos termos do artigo 73, do Código de Ética Médica, que
assim dispõe:
"É vedado ao médico:
Art. 73 - Revelar fato de que tenha conhecimento em
virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou
autorização expressa do paciente."
É sabido que o sigilo médico pertence ao paciente, e o médico figura
como seu depositário, todavia, existem exceções em que esse sigilo pode ser
preterido, quais sejam, dever legal ou justa causa.
A justa causa é quando a revelação do sigilo profissional for o único
meio de conjurar perigo atual ou iminente e injusto para si e para outro, o
CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em seu site,
exemplifica da seguinte maneira:
a) Para evitar casamento de portador de defeito físico irremediável ou
moléstia grave e transmissível por contágio ou herança, capaz de por em risco a
saúde do futuro cônjuge ou de sua descendência, casos suscetíveis de motivar
anulação de casamento, em que o médico esgotará, primeiro, todos os meios
idôneos para evitar a quebra do sigilo;
b) Crimes de ação pública incondicionada quando solicitado por
autoridade judicial ou policial, desde que estas, preliminarmente, declarem
tratar-se desse tipo de crime, não dependendo de representação e que não
exponha o paciente a procedimento criminal;
c) Defender interesse legítimo próprio ou de
terceiros.
Enquanto que o dever legal é aquele que deriva da condição profissional,
o CREMESP também exemplifica as situações de dever legal, vejamos:
a) Leis Penais – Doenças infecto-contagiosas de notificação compulsória,
de declaração obrigatória (toxicomanias), etc.
b) Crimes de ação pública cuja comunicação não exponha o paciente a
procedimento criminal (Lei da Contravenções Penais, artigo 66, inciso II);
c) Leis Extras-Penais: Médicos militares, médicos legistas, médicos
sanitaristas, médicos peritos, médicos de juntas de saúde, médicos de
companhias de seguros, médicos de empresas, atestados de óbito, etc.; ou
autorização expressa da paciente; permanece essa proibição: a) mesmo que o fato
seja de conhecimento público ou que a paciente tenha falecido; b) quando o
médico depõe como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a
autoridade e declarará seu impedimento.
A obrigação do médico de manter segredo quanto às
informações de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções escora-se
na preservação da intimidade do paciente e sua infração constitui ato ilícito,
tipificada no Código Penal Brasileiro, em seu artigo 154, senão vejamos:
Violação do segredo profissional
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa,
segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante
representação.
Diante disso, aquele que acata a determinação de magistrado de
apresentar cópia do prontuário médico sem o consentimento do paciente, estará
cometendo o crime tipificado no artigo acima transcrito.
Corroborando com o que fora dito até agora,
destaca-se trecho do V. Acórdão proferido pelo Ilustre Relator Ministro Adhemar
Barros, nos autos do RMS 5821/SP, DJ 07.10.96, in verbis:
"Não basta a ordem judicial per se,
fazendo-se necessária a indispensabilidade da medida, diante da inexistência de
outro meio menos gravoso a substituí-la ou mesmo do pedido do paciente, para
defesa de direito seu. O hospital, a clínica ou o profissional médico, se a
entenderem desnecessária, deverão recorrer a instrumentos processuais aptos a
corrigir o possível excesso judicial, como acertadamente vem decidindo nossos
tribunais".
Nesse sentido, insta destacar que a jurisprudência já sedimentou
entendimento corroborando com o que fora acima exposto:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AUSÊNCIA FUNDAMENTAÇÃO
SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA ORAL.
PRECLUSÃO. VIOLAÇÃO DO SEGREDO MÉDICO. DIVULGAÇÃO DO PRONTUÁRIO DE PACIENTE SEM
AUTORIZAÇÃO OU JUSTA CAUSA. DEVER DE INDENIZAR. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL. 1.
O que gera a nulidade da decisão não é a escassez de fundamentação, mas a sua
absoluta ausência. 2. Ocorrendo o indeferimento expresso de oitiva de
testemunha, em audiência de instrução e julgamento, não tendo a parte se
insurgido, naquela oportunidade pela via adequada - agravo retido -, preclusa
se encontra a alegação de cerceamento de defesa. 3. O segredo médico pertence
ao paciente, e o médico, seu depositário e guardador, somente poderá revelá-lo
em situações muito especiais, a saber: dever legal, justa causa ou com
autorização expressa do paciente. 4. A obrigação compulsória do médico de
manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no
desempenho de suas funções escora-se na preservação da intimidade do paciente e
sua infração constitui ato ilícito, passível de punição. 5. A divulgação
de prontuário médico, do qual se extrai relatos da vida íntima do paciente, sem
autorização ou justa causa configura-se ato ilícito e acarreta o dever
de indenizar. 6. Apesar de não ser titular de honra subjetiva, a pessoa
jurídica é detentora de honra objetiva, que resta abalada sempre que o seu
nome, imagem ou crédito forem atingidos no meio comercial por algum ato
ilícito.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.06.025816-7/001 - COMARCA
DE BELO HORIZONTE - 1º APELANTE (S): CAMED CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS
FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO NORDESTE DO BRASIL - 2º APELANTE (S): CENTRO
PSICOTERAPICO LTDA - 3º APELANTE (S): ROMULO RONALDO DOS SANTOS - APELADO (A)(S):
CAMED CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO NORDESTE DO BRASIL,
CENTRO PSICOTERAPICO LTDA, ROMULO RONALDO DOS SANTOS - RELATOR: EXMO. SR. DES.
WAGNER WILSON)
Outrossim, deve ser respeitado o sigilo sobre o prontuário médico mesmo
após o falecimento do paciente, que somente poderia ser quebrado nas hipóteses
mencionadas acima, ou seja, a justa causa, o dever legal e a autorização
expressa do paciente, manifestada em documentos previamente elaborados e
registrados.
Enfim, o segredo profissional e o sigilo sobre o
prontuário médico devem ser resguardados, bem como salvaguardados o direito à
intimidade do paciente, uma vez que as minúcias de sua internação, cirurgia e
demais procedimentos médicos são informações revestidas de sigilo e que pertencem
ao paciente.
Fonte : Daniel França
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